O futuro na esquina do crime

sebastiao

Faz tempo que o crime deixou de andar só de cara fechada no escuro da madrugada. Hoje ele caminha de terno, assina contrato, fornece serviço para governo e, às vezes, até finge ser parte da solução. Essa semana, vi no noticiário que uma empresa ligada ao maior grupo criminoso do país estava fornecendo combustível para os ônibus do Eixo Anhanguera. E eu, que sou aqui de Aparecida e já vi muita coisa nessa vida, não consegui esconder o susto — e nem a tristeza.

É que a gente vai se acostumando a ver os sinais do perigo espalhados. Primeiro vêm as pichações, aquelas letras grandes nos muros das vielas do Retiro do Bosque, do Miramar, do Expansul. Depois, vêm os burburinhos, os boatos, os medos que vão tomando conta das ruas. Quando vê, já tem rua que ninguém quer passar depois de escurecer. E o pior: já tem jovem que cresce achando que entrar pra essa vida é mais fácil do que tentar sair dela.

Eu mesmo me lembro, lá pelos anos 90, quando essas coisas ainda pareciam coisa de filme. O crime era um negócio distante, que a gente ouvia falar nos jornais do Rio ou de São Paulo. Mas de lá pra cá, ele foi chegando. Se ajeitou nas brechas, nas esquinas, no silêncio dos que fingiram não ver. E agora a gente descobre que está alimentando ônibus com gasolina de gente ligada ao crime. A gente paga imposto, anda em coletivo apertado, e sem saber, fortalece quem destrói o que resta da nossa segurança.

Não é só uma questão de polícia, não. É de vergonha. Como é que um negócio desses se enraíza até em contratos públicos sem que ninguém veja? Ou será que viram e preferiram não se meter? Porque enfrentar esses grupos dá trabalho, exige coragem. E, cá entre nós, tem político que tem medo de pobre, mas tem pavor mesmo é de bandido engravatado.

Dói perceber que a cidade da gente, a mesma que a gente ajuda a construir com suor, está sendo costurada por mãos sujas. Que enquanto a gente se preocupa em proteger os netos do cerol, do trânsito, da dengue, tem gente infiltrada vendendo serviço pro governo e financiando a destruição da nossa juventude com a outra mão.

Sabe o que é mais perigoso? É o crime parecer eficiente. Chega, entrega, abastece, paga em dia. Parece até que funciona melhor do que muita empresa séria. E isso cria uma armadilha: faz parecer que o errado é o certo. Que o crime compensa. Que basta colocar uma fachada limpa e pronto, pode operar livremente.

Mas não pode. Não deve. E não dá mais pra fingir que é exagero. Quando o crime senta à mesa com o poder público, quem perde é o povo. Porque essa convivência contamina tudo: a escola, o hospital, o transporte, a praça onde a gente leva o neto pra brincar. E o mais grave: vai minando a esperança da gente de que é possível viver com dignidade, dentro da lei.

Eu não sei como resolve isso. Mas sei que não dá pra normalizar. E sei também que é preciso mexer lá onde a sujeira se esconde. Na fiscalização frouxa, nos contratos mal explicados, nas licitações mal fiscalizadas. É hora de vigiar mais que a esquina — é hora de vigiar o que entra pela porta da frente dos gabinetes.

Porque se tem uma coisa que aprendi nessa vida é que o mal não chega gritando. Ele vem manso, sorrindo, oferecendo atalho. E quando vê, já se espalhou pelas raízes.

A gente que mora aqui, que anda a pé por essas ruas, que conhece cada buraco da BR-153 e cada ponto de ônibus do Eixo, sabe que o futuro da cidade está sendo decidido agora. E se não tiver coragem de cortar esse mal pela raiz, um dia vai ser tarde demais.

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Aos 65 anos, Sebastião carrega nas mãos a memória de uma cidade inteira. Chegou em Aparecida no fim dos anos 70, quando tudo ainda era barro e promessa. Foi serralheiro por décadas até se aposentar — cada portão, cada grade, um pedaço da sua história. Entre a missa e o noticiário, não se cala: cobra, opina, representa quem construiu Aparecida com suor.

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