Quando vereador trabalha no feriado
Por Sebastião Silva
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Era noite de feriado quando soube que a Câmara Municipal de Aparecida de Goiânia resolveu homenagear o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro. Fiquei surpreso. Não só pelo nome escolhido, mas pelo fato de os vereadores decidirem trabalhar em pleno feriado — coisa rara — e justamente para isso. Já vi sessões esvaziadas por menos, e agora, de repente, todos estavam lá, firmes e vestidos de solenidade, como se estivessem fazendo história. E estavam mesmo, mas não da forma que eu gostaria de lembrar.
Me pergunto onde estava esse entusiasmo todo quando nossas ruas ficaram semanas sem o tapa-buraco prometido. Aqui no Jardim Tiradentes mesmo, tem buraco que sobrevive há dois prefeitos. E olha que minha filha mora lá no Rosa dos Ventos e contou que por lá também não tá muito diferente. A sensação que tenho é que, quando é para resolver o problema do povo, as coisas andam devagar. Mas quando é para homenagear político investigado, o relógio acelera e o plenário enche.
Não estou aqui dizendo quem pode ou não pode ser homenageado, mas questiono os critérios. Afinal, estamos falando de alguém que responde por tentativa de golpe, o maior ataque que já sofremos contra nossa democracia. Isso não é pouca coisa. E mesmo assim, teve vereador que achou bonito chamá-lo de Aparecidense. Me pergunto se quem perdeu entes queridos na pandemia, como eu perdi, também acha essa homenagem tão honrosa assim.
Porque a gente não esquece fácil o tempo da vacina atrasada. Tanta gente que podia estar viva se tivesse chegado na hora certa. Gente que não teve chance. Gente que era do nosso bairro, do nosso convívio. Fico lembrando de um amigo meu, o Seu Ademar, que morava no Expansul. Um homem forte, trabalhador, morreu em menos de uma semana. E a culpa, a gente sabe, não foi só do vírus.
Agora, imagina usar dinheiro público para fazer festa pra político? Qualquer político que seja! Já acho um desperdício. Mas quando é alguém com um histórico desses, a indignação dobra. Me parece um desrespeito com quem acorda cedo todo dia e paga imposto até no arroz e no feijão. O mesmo povo que paga os salários de todos os vereadores que estavam lá aplaudindo.
Se ao menos esse empenho fosse canalizado para ações que melhorassem a vida do cidadão. Imagina só se tivessem o mesmo empenho para construir uma nova unidade de saúde, ampliar os horários de ônibus ou resolver a falta de água em alguns bairros. Imagina se reunissem numa quinta-feira à noite, num feriado, para aprovar políticas públicas, para abrir um mutirão de cirurgias, para ouvir os jovens da cidade.
O que vi foi outra coisa. Vi um palanque sendo montado num momento em que devíamos estar todos pensando em como curar as feridas da nossa história recente. Não curar com homenagens, mas com responsabilidade. Porque ainda tem muita gente machucada. Gente que viu na televisão o mesmo homem que hoje é aplaudido pela Câmara dizendo absurdos sobre mulheres, negros, homossexuais. Gente que cresceu ouvindo que todo mundo é igual, mas que percebe que, na prática, tem uns que recebem mais perdão do que os outros.
Talvez por isso tudo eu ainda me pergunte: pra quê essa homenagem? Quem ganhou com isso? Certamente não foi a cidade. Porque se tivesse sido, o povo estaria falando disso com orgulho, e não com espanto.
Espero, sinceramente, que esse entusiasmo dos nossos representantes não desapareça agora que o feriado passou. Que tenham a mesma disposição para trabalhar por quem realmente precisa. Porque Aparecida tem seus heróis. Estão nas escolas, nas ruas, nos hospitais. Estão nas casas humildes dos bairros esquecidos. E esses, sim, merecem palmas de pé.

Escrito Por Sebastião Silva
Aos 65 anos, Sebastião carrega nas mãos a memória de uma cidade inteira. Chegou em Aparecida no fim dos anos 70, quando tudo ainda era barro e promessa. Foi serralheiro por décadas até se aposentar — cada portão, cada grade, um pedaço da sua história. Entre a missa e o noticiário, não se cala: cobra, opina, representa quem construiu Aparecida com suor.
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