O jogo que a cidade perdeu
Por Sebastião Silva
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Não sou de me aborrecer fácil com futebol. Já vi meu time perder de goleada e saí do estádio com a cabeça erguida, dizendo que no próximo jogo a gente virava. Mas dessa vez, a tristeza veio antes da bola rolar. Quando soube que a Aparecidense tinha decidido mandar o jogo contra o Fluminense em Brasília, senti que a cidade estava sendo deixada de lado. E ali, pra mim, o placar já estava definido.
A bola rolou, e confesso que por um instante me permiti sonhar. O Camaleão começou o jogo com alma de gigante. Pressionou, tocou bem a bola, parecia até que quem era da Série D era o outro lado. A gente chegou a abrir o placar. E por uns 35 minutos, o Fluminense simplesmente assistiu. Mas quem conhece futebol sabe: jogo grande não se ganha só com talento. Se ganha com clima, com torcida, com o fator casa pulsando junto. E Brasília, por mais que esteja no mapa, não é Aparecida. Não é o nosso chão.
Foi nos anos 2000 que comecei a acompanhar a Aparecidense com mais atenção. Vi o time sair da sombra e começar a incomodar time grande de série A. Vi campanha heroica em estadual, disputa acirrada por acesso, e até aquelas histórias que viraram folclore — como o famoso episódio do massagista invadindo o campo pra salvar o time. Ali a cidade parava.
E por isso tudo, ver esse jogo histórico sendo levado pra fora de casa é como rasgar uma página bonita do nosso livro. Entendo que o estádio tem limitações, que há exigências. Mas não consigo aceitar com leveza. Não é só sobre gramado ou número de cadeiras. É sobre identidade, sobre pertencimento, sobre quem vai estar do lado quando a rede balança. E aqui em Aparecida, a gente sempre esteve. E em último caso, o Serra Dourada é muito mais casa do que Mané Garrincha.
O resultado final foi 4 a 1 pro Fluminense. E antes que digam que o placar desautoriza qualquer lamento, eu insisto: o jogo já estava decidido no momento em que a diretoria abriu mão da nossa casa. Aquele início avassalador, aquele gol que nos fez acreditar, talvez tivesse se transformado em outra história com a arquibancada vibrando do lado certo.
É nessas horas que entendo por que o futebol da várzea ainda reina por aqui. Ali o povo se reconhece. Campo de terra, grito do pai, bandeirão amarrado no alambrado. Ali, todo mundo é dono do time. Já no futebol profissional, decisões como essa afastam. E aí os meninos do bairro, em vez de vestir a camisa da Aparecidense, atravessam a cidade pra torcer pelo Goiás, Vila ou Atlético. E quem pode tirar a razão deles?
O futebol é mais do que disputa de pontos. É laço. E quando um time abre mão do seu povo, esse laço começa a afrouxar. A Aparecidense tinha a chance de transformar esse jogo num capítulo inesquecível da sua história — ainda que terminasse em derrota. Porque perder em casa, de cabeça erguida e ao lado dos seus, é diferente. Tem dignidade. Tem calor.
Sei que nem sempre dá pra fazer tudo do jeito que a gente quer. Mas tem decisões que pedem mais sensibilidade. Que exigem ouvir o chão da cidade, os torcedores antigos, o ambulante da pipoca e o da cervejinha. Porque o futebol que sobrevive é o que respeita suas raízes.
A Aparecidense não perdeu só no placar. Perdeu a chance de fazer história com a cidade junto. E isso, por aqui, vai demorar a ser esquecido. Tomara que sirva de lição. Que no futuro, quando outro jogo grande vier, o povo esteja dentro, e não do lado de fora da decisão.
Porque um time que não joga com o povo, joga pra quem?

Escrito Por Sebastião Silva
Aos 65 anos, Sebastião carrega nas mãos a memória de uma cidade inteira. Chegou em Aparecida no fim dos anos 70, quando tudo ainda era barro e promessa. Foi serralheiro por décadas até se aposentar — cada portão, cada grade, um pedaço da sua história. Entre a missa e o noticiário, não se cala: cobra, opina, representa quem construiu Aparecida com suor.
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