No arraial da fé e da esperança
Por Sebastião Silva
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Já vi muita festa nessa vida. Já dancei quadrilha no terreiro batido de poeira, já comi bolo de fubá sentado em tamborete, já levei prenda em barraca de pescaria e já escutei sanfoneiro bom que fazia a gente esquecer dos boletos. Mas fazia tempo que eu não sentia o coração tão leve como senti no último fim de semana, lá na festa da Igreja São João Batista, no Colina Azul.
Era como se o bairro todo tivesse respirado aliviado por algumas horas. As luzes coloridas tremeluzindo na noite fria, o cheiro de milho assado misturado com bolo recém-saído do forno, e aquele povo sorrindo, cantando junto, dançando quadrilha como se a alma se aquecesse mais do que o corpo.
Teve até um momento que eu parei num canto, debaixo da lona improvisada, só pra observar. Uma senhora que devia ter a idade da minha mãe arrematou um pernil assado no leilão e saiu toda feliz, dizendo que era o prato da filha. Do meu lado, um menino, com as bochechas pintadas de carvão, perguntava à mãe se podia repetir o arroz-doce. E eu ali, no meio daquilo tudo, lembrei que é esse tipo de encontro que nos fortalece.
Porque não é só de festa que a gente fala, é de pertencimento. É de saber que, mesmo com todas as dificuldades, a gente ainda se reúne, se organiza, faz rifas, ensaia quadrilha, cozinha com carinho e se oferece de coração. A comunidade ali não era só plateia. Era autora. Era quem montava a barraca, quem trazia o som, quem decorava com bandeirinha e quem fazia fila pra participar do leilão dos pratos preparados com tanto zelo.
A fé, ali, aparecia de outras formas. Não só nos cantos da igreja ou nas orações antes de começar o show. Estava na partilha. No moço que cedeu o espaço pro estacionamento. Na moça que cuidava da fila com paciência de santa. No casal que dançou de rosto colado e olhos marejados. Em cada prato doado pro leilão, em cada braço estendido pra ajudar no que fosse preciso.
Teve música ao vivo, daquelas boas de escutar com a palma da mão batendo na coxa e o pé acompanhando no ritmo. Teve quadrilha bem ensaiada, com as damas ajeitando os vestidos de chita e os cavalheiros ajeitando o chapéu antes de chamar a “dona do meu coração” pra dançar. E foi bonito. De arrepiar.
É por isso que eu digo: essas festas são mais do que tradição. São sinal de esperança. São lembrança de que, mesmo quando tudo parece duro, a gente ainda encontra jeito de sorrir junto. De dividir o pouco que tem e, com isso, multiplicar o afeto.
Saí de lá com um pote de canjica na sacola, um aperto bom no peito e uma certeza na cabeça: enquanto houver gente disposta a manter vivas essas celebrações, há futuro. Um futuro que a gente constrói em conjunto, com bandeirinhas coloridas, mãos calejadas e corações atentos uns aos outros.
E se no próximo ano me perguntarem onde vou passar o mês de junho, já tenho resposta: quero estar onde o povo se reúne com fé, música e cheiro de comida boa no ar. Quero estar no Colina Azul, de novo, de alma leve e coração cheio.

Escrito Por Sebastião Silva
Aos 65 anos, Sebastião carrega nas mãos a memória de uma cidade inteira. Chegou em Aparecida no fim dos anos 70, quando tudo ainda era barro e promessa. Foi serralheiro por décadas até se aposentar — cada portão, cada grade, um pedaço da sua história. Entre a missa e o noticiário, não se cala: cobra, opina, representa quem construiu Aparecida com suor.
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