Férias devem ser de alegria, não de preocupação
Por Sebastião Silva
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Chega julho e, com ele, o silêncio das escolas. As mochilas descansam nos cantos das casas e as crianças se espalham pelas ruas, buscando o que fazer com tanto tempo livre. E eu, sentado na minha cadeira de ferro no portão de casa, observo a cidade mudando de ritmo. Mas junto com esse descanso merecido, vem também uma preocupação antiga, que cresce todo ano quando as férias chegam: o que Aparecida tem oferecido pras nossas crianças?
Lá no Jardim Tiradentes, onde moro desde o fim dos anos 90, já perdi as contas de quantas vezes vi moleque correndo atrás de pipa “torada”, atravessando rua sem olhar, disputando espaço com motoqueiro, pulando muro com caco de vidro, entrando em terreno baldio cheio de lixo e mato alto. Teve um ano, lembro bem, que um menino do Retiro do Bosque quase perdeu um dedo porque decidiu brincar com bombinha de São João velha, dessas que sobram de festa junina. E os pais? Trabalhavam o dia inteiro. Nem sabiam o que o menino fazia em casa.
Aparecida cresceu, disso ninguém duvida. Tem viaduto novo, tem prédio, tem loja que antes a gente só via em Goiânia. Mas cadê os clubes públicos? Cadê os parques bem cuidados com atividades de férias? Cadê o cinema comunitário, as oficinas nas escolas, as colônias de férias nos bairros? O que a gente vê é um abandono disfarçado de liberdade. As crianças soltas por aí, sem um lugar pra gastar energia de forma segura, sem programação cultural, sem incentivo.
Eu mesmo, quando era mais novo, vi de perto o que um clube comunitário pode fazer por uma criança. Lá no interior onde cresci, a gente tinha uma quadra, uma pequena piscina e duas salas com professor voluntário que dava aula de violão. Era simples, mas era um mundo pra quem não tinha nada. E hoje, com tanta tecnologia, com tanta possibilidade, a cidade oferece o quê? Um celular pra distrair ou a rua pra sobreviver?
Na última semana, vi um menino de uns 10 anos empinando pipa no meio da Avenida Igualdade. A pipa até que era bonita, toda colorida. Mas a linha… ah, essa era de cerol, daquelas que cortam como navalha. Quando chamei a atenção dele, o menino riu. Disse que era “pipa de competição”. E eu fiquei pensando: competição com quem? Com a morte?
O perigo do cerol é antigo, mas parece que todo ano a gente precisa reaprender o estrago que ele faz. Já vi motoboy com o pescoço todo cortado, criança com ferida na mão, e nem é por maldade. É por falta de alternativa, falta de orientação, falta de opção. Quando a molecada não tem onde gastar tempo com alegria, sobra espaço pra brincadeira perigosa.
E o pior é que a gente ouve falar que tem verba, que tem projeto, que tem planejamento. Só que, quando o sino da escola silencia, o resto da cidade parece ficar surdo. E aí começa a jornada das avós que cuidam dos netos, das mães que pedem pra vizinha “dar uma olhada”, dos pais que rezam pra que nada aconteça. Férias viram sinônimo de tensão, e isso não é justo com ninguém.
Digo isso porque acredito que o lazer também é um direito. Um parquinho bem cuidado, uma praça iluminada com atividades, um centro cultural com porta aberta durante o recesso. Isso também educa, também protege. Isso mostra pras crianças que o mundo tem mais coisa além da rua.
Outro dia, encontrei a Dona Zuleide, que mora ali no Rosa dos Ventos. Ela comentou que o neto fica o dia inteiro em casa no celular. Disse que queria colocar ele numa oficina de teatro que teve na cidade uns anos atrás, mas nunca mais ouviu falar. Fiquei pensando: quantos talentos a gente está deixando escapar por falta de incentivo?
E, no fim, quem paga a conta é sempre o mesmo povo. A gente, que se preocupa, que alerta, que avisa. E que às vezes nem é ouvido. Mas eu sigo falando, porque acredito que uma cidade que respeita suas crianças é uma cidade que tem futuro. Que não precisa de sorte pra sobreviver às férias.

Escrito Por Sebastião Silva
Aos 65 anos, Sebastião carrega nas mãos a memória de uma cidade inteira. Chegou em Aparecida no fim dos anos 70, quando tudo ainda era barro e promessa. Foi serralheiro por décadas até se aposentar — cada portão, cada grade, um pedaço da sua história. Entre a missa e o noticiário, não se cala: cobra, opina, representa quem construiu Aparecida com suor.
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