Entre Três Poderes e Nenhuma Paz
Por Sebastião Silva- Publicado em
Eu estava sentado no mesmo sofá fundo de sempre, na sala simples do Jardim Tiradentes, enquanto o noticiário rodava na televisão. As imagens se repetiam como um filme velho: sessão no Congresso, coletiva de ministro, decisão do STF, recado do Planalto, nota oficial, bastidor, ameaça de reação. Era Legislativo de um lado, Judiciário de outro, Executivo no meio, todos falando em democracia, mas se comportando como se estivessem numa disputa pessoal sem fim.
Às vezes nem dá tempo de entender direito o assunto da vez. Um dia é investigação, no outro é CPI, depois vem decisão derrubando decisão, recurso em cima de recurso, entrevista respondendo indireta de entrevista. Fico vendo aquilo e lembrando de trás pra frente, como quem rebobina fita antiga na cabeça.
Para mim, a virada começou mesmo no impeachment da Dilma. Lembro daquela sessão longa, voto a voto, cada deputado fazendo discurso inflamado, uns dizendo que salvavam o Brasil, outros gritando que era golpe. Ali já dava pra sentir o país se partindo no meio. De um lado, quem via justiça sendo feita. Do outro, quem enxergava injustiça histórica. No meio, uma raiva que foi crescendo, tomando mesa de bar, reunião de família, grupo de mensagem.
Depois veio a Lava Jato com força total. Político importante, empresário famoso, gente poderosa indo parar na capa de jornal e na porta da delegacia. No começo, parecia que finalmente alguma coisa séria estava acontecendo. Com o tempo, vieram os excessos, as mensagens vazadas, as reviravoltas nos processos. Condenação, absolvição, anulação, volta ao jogo. Cada decisão alimentava um lado e inflamava o outro.
De lá pra cá, tenho a impressão de que o Brasil entrou numa espiral de ódio. Ninguém ouve ninguém, só procura motivo pra atacar. Não se discute mais ideia, se discute time. Não se critica mais decisão, se escolhe herói e vilão e segue na torcida cega. E os poderes entraram no mesmo clima: toda hora um tenta mostrar que manda mais que o outro.
Vejo o Legislativo aprovando pauta pra dar recado, o Judiciário reagindo em voto e liminar, o Executivo usando discurso público como arma política. Em vez de funcionar como freios e contrapesos, andam parecendo três carros acelerando em direções diferentes, arrastando o país junto. Cada crise vira espetáculo. Cada divergência vira guerra. Cada gesto é interpretado como ataque ou rendição.
Da janela da minha casa, isso tudo chega de outro jeito. Chega no preço da feira, na incerteza do emprego dos vizinhos, na desconfiança que se espalha entre as pessoas. Enquanto poderosos brigam por espaço, quem pega ônibus cedo continua pegando, quem espera consulta continua esperando, quem procura vaga de trabalho continua rodando a cidade com currículo na mão. Brasília treme, mas é o asfalto do bairro que racha primeiro.
Com a idade, a gente aprende que cargo tem prazo, mas consequência não tem. O mandato acaba, a toga um dia fica no cabide, a caneta troca de mão. O que fica é o rastro das decisões tomadas mais por vaidade do que por responsabilidade. E olhando esse empurra-empurra de hoje, vejo gente grande agindo como se o poder fosse propriedade particular, não serviço temporário.
Desliguei a televisão e deixei a sala cair no escuro, só com o barulho distante da rua entrando pela janela. Fiquei alguns segundos parado, sentindo aquele peso conhecido, e acabei resumindo em voz baixa o que penso cada vez que vejo mais um capítulo dessa briga:
“Quando quem manda esquece que o poder passa e o Brasil fica, quem paga a conta é sempre quem nunca mandou em nada.”
Escrito Por Sebastião Silva
Aos 65 anos, Sebastião carrega nas mãos a memória de uma cidade inteira. Chegou em Aparecida no fim dos anos 70, quando tudo ainda era barro e promessa. Foi serralheiro por décadas até se aposentar — cada portão, cada grade, um pedaço da sua história. Entre a missa e o noticiário, não se cala: cobra, opina, representa quem construiu Aparecida com suor.
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