Entre justiça e vingança
 Por Sebastião Silva- Publicado em
 
                                        Hoje é Dia de Finados.
Dia de lembrar os que partiram, de visitar túmulo, acender vela, conversar em silêncio com quem já não responde — mas ainda mora na nossa memória. É um dia em que o cemitério se enche de flores e o coração da gente, de saudade. Mas também é dia de pensar na vida. E por isso mesmo, não pude deixar de refletir sobre as cenas que vi esta semana no noticiário: corpos estendidos no chão do Rio de Janeiro, numa operação contra o crime organizado. Era gente. Eram vidas.
A operação mirava o PCC, esse grupo criminoso que já não está só nos grandes centros. Está perto da gente também. Em Aparecida, não é de hoje que ouço falar disso: pichações em muros, movimentações suspeitas, ameaças veladas, e até empresas ligadas a esses grupos fornecendo pra serviço público. Tá tudo mais perto do que parece.
Só que, quando vejo manchetes comemorando a quantidade de mortos, me bate um nó no peito. E eu fico pensando: matar é mesmo a única resposta que a sociedade tem pra dar? Até quando a gente vai achar que justiça se mede por número de corpos?
Não me entenda mal. Eu não passo pano pra bandido. Quem erra tem que pagar, sim. Tem que ser preso, julgado, cumprir pena. Mas dentro da lei. Porque quando a gente aceita que vale tudo contra o crime, a gente começa a destruir as regras que protegem todos nós — inclusive o inocente.
E digo isso por experiência. Já vivi o bastante pra saber que violência só gera mais violência. Cresci vendo menino pobre ser preso por roubar comida. Hoje, o crime é mais organizado, mais perigoso, mais sedutor. Esses grupos chegam prometendo celular novo, roupa de marca, respeito — coisas que o Estado, muitas vezes, não entrega. E o jovem cai.
O que falta é cuidado. Falta pai presente. Falta escola funcionando como deveria. Falta trabalho. Falta igreja ocupando espaço. Falta político com coragem de enfrentar o problema com educação, e não só com bala. Porque, quando a justiça vira só vingança, a gente se afasta do que é certo. E quem paga o preço, como sempre, é o mais fraco.
Dia de Finados deveria ser só pra lembrar quem a vida levou de forma natural. Mas hoje, a gente também lembra quem foi levado pela violência. E olha que são muitos. Jovens, na maioria. Gente que nem teve tempo de errar e tentar consertar. Gente que podia estar construindo, mas virou estatística.
Me parte o coração saber que, pra muitos, esses corpos caídos no chão são só “mais um bandido a menos”. Porque cada um ali foi criança um dia. Teve mãe. Sonhou. E mesmo que tenha errado, merecia a chance de ser corrigido. Justiça de verdade não é o fim da vida — é o recomeço, dentro da lei.
Fico pensando nos cemitérios hoje, cheios de flores, cheios de saudade. E me pergunto quantas daquelas covas foram abertas cedo demais, por bala, por abandono, por descaso. Quantas poderiam ter sido evitadas se tivéssemos feito mais enquanto sociedade.
Não quero transformar o Dia de Finados num dia político. Longe de mim. Mas como cristão e como cidadão, não consigo ignorar o que estamos vivendo. Porque lembrar dos mortos também é cuidar dos vivos. E, pra mim, cuidar significa não se conformar com a morte como destino inevitável.
A gente precisa puxar nossos jovens de volta. Mostrar outro caminho. Fazer do campo de futebol, da sala de aula, da igreja, da praça, do lar… trincheiras contra o crime. Porque se o menino encontra acolhimento no crime antes de encontrar no Estado, quem falhou?
E falo isso com dor. Com a dor de quem já viu de perto o lado triste da vida. Com a dor de quem não quer mais ver velório de jovem, caixão branco, mãe chorando abraçada com uma blusa velha do filho. Já chorei isso de perto — e, se puder evitar que outros chorem, vou falar até cansar.
Hoje, quando acendi a vela lá no túmulo da minha mãe, pedi a Deus por mais compaixão no mundo. Pela chance de corrigir antes de punir. Pela coragem de educar antes de julgar. Pela firmeza de proteger sem destruir. Porque se justiça e vingança viram a mesma coisa, a gente perde o rumo.
Dia de Finados é pra lembrar quem amamos. Mas também deveria servir pra lembrar o quanto a vida vale. E, por isso, devemos lutar para que ninguém seja condenado a morrer antes da hora — nem pelas mãos do crime, nem pelas mãos do Estado.
                                                Escrito Por Sebastião Silva
Aos 65 anos, Sebastião carrega nas mãos a memória de uma cidade inteira. Chegou em Aparecida no fim dos anos 70, quando tudo ainda era barro e promessa. Foi serralheiro por décadas até se aposentar — cada portão, cada grade, um pedaço da sua história. Entre a missa e o noticiário, não se cala: cobra, opina, representa quem construiu Aparecida com suor.
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