De quando a carrocinha era o bicho-papão

sebastiao

Essa semana começou a campanha de vacinação contra a raiva aqui em Aparecida, e não teve como não lembrar dos tempos antigos. Lá nos anos 70 e 80, quando cheguei por aqui, ter um cachorro era quase um ato de coragem. Não tinha essa de coleira com nome nem veterinário de confiança. O que a gente tinha era medo: da carrocinha e da raiva.

Naquela época, bastava ouvir o barulho do caminhãozinho velho vindo lá da rua de baixo que a criançada saía correndo, gritando pra dentro dos quintais: “pega o Totó!” “Esconde o cachorro!” Era um desespero. Diziam que a carrocinha levava os bichos pra virar sabão. E a verdade é que ninguém nunca viu voltar. Era sumiço certo.

Mas o medo maior não era só da carrocinha, não. Era da tal da raiva. A gente cresceu ouvindo histórias de cachorro com o olho virado, espuma na boca, atacando gente do nada. E o pior: naquela época, se alguém fosse mordido por um bicho doente, era tomar vinte e uma injeções na barriga. Vinte e uma! Parecia castigo.

Lembro até hoje de uma vizinha nossa, lá do Colina Azul, que foi mordida por um gato de rua. Gato bonito, todo preto, parecia manso. Mas bastou um arranhão mais sério pra família inteira entrar em pânico. Levaram a menina correndo pro hospital. E olha que era difícil até arrumar vacina. Não era igual hoje, que tem campanha, que tem ponto de vacinação no bairro, que tem gente orientando.

Esses dias levei o cachorro do meu neto pra vacinar. Um vira-lata danado de esperto, mas bonzinho. Chegando lá, fila tranquila, sombra, pessoal da saúde sorrindo, pegando os dados. Tudo muito diferente do tempo em que o cuidado com animal era visto quase como luxo.

Fiquei ali observando. Muita gente com seus bichinhos no colo, na coleira, até criança segurando gato dentro de caixa de papelão. Me deu uma alegria danada ver isso. Porque, no fundo, cuidar dos nossos animais é cuidar da gente também. A raiva ainda existe, o vírus ainda tá por aí, mas com vacinação em dia, a gente vive mais tranquilo.

É importante lembrar que essa doença é quase 100% letal. Não tem essa de esperar pra ver se melhora. Se um bicho pega raiva, não tem volta. E o risco de passar pra gente é real. Por isso que eu falo: campanha de vacinação não é só pra cumprir tabela, é pra proteger a cidade inteira.

Dói ver que, às vezes, ainda tem gente que acha que é besteira vacinar. Dizem que o cachorro é “de rua”, que “nunca sai de casa”, que “tá sempre saudável”. Mas a raiva não pede licença pra entrar. E se a gente deixar de vacinar, essa doença, que hoje é rara, pode voltar com força. Igual dengue, que volta todo ano porque a gente relaxa.

Fico pensando como Aparecida mudou. Do tempo em que o medo era da carrocinha e da injeção na barriga, pra agora, com veterinário, chip, ração boa e campanha de vacinação todo ano. Mudou pra melhor. Mas só continua melhor se a gente fizer nossa parte.

Então, se você tem um bichinho, leve pra vacinar. Seja cachorro, gato, de raça ou vira-lata. É rápido, é de graça, e pode salvar uma vida — a dele e a sua. Porque o que a gente aprende com o tempo é que cuidar do outro, mesmo que seja um animalzinho, também é uma forma de se cuidar.

Se antes o barulho da carrocinha assustava, hoje o som da vacina sendo preparada é alívio. Porque proteger nossos bichinhos é cuidar da nossa esperança. E isso, pra mim, já vale o dia.

Escrito Por

Aos 65 anos, Sebastião carrega nas mãos a memória de uma cidade inteira. Chegou em Aparecida no fim dos anos 70, quando tudo ainda era barro e promessa. Foi serralheiro por décadas até se aposentar — cada portão, cada grade, um pedaço da sua história. Entre a missa e o noticiário, não se cala: cobra, opina, representa quem construiu Aparecida com suor.

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