De Aparecida a Salvador, o jogo de Caiado

Foto: Divulgação/UB

A política, às vezes, é como um jogo de xadrez: quem só olha a peça que se move, perde o que está sendo armado no tabuleiro inteiro. Foi o que pensei quando vi Ronaldo Caiado lançar sua pré-candidatura à presidência da República direto de Salvador, na Bahia. Não foi à toa. Ali é território conhecido de Lula, reduto do petismo, onde a direita nunca teve muita facilidade. Mas Caiado sabe disso. E se tem algo que ele já mostrou é que não entra numa briga sem antes estudar o terreno.

Na fala, ele deixou claro o porquê da escolha: se Goiás tem a cidade-mãe do estado, a Cidade de Goiás, a Bahia é, segundo ele, a mãe do Brasil. É poético, simbólico — e político também. Porque ninguém escolhe Salvador à toa quando está de olho no Palácio do Planalto. Ali, a disputa é direta com o lulismo, onde o petismo construiu sua base mais fiel. O gesto é ousado, quase desafiador. E ainda mais simbólico se pensarmos que a primeira-dama Gracinha é baiana, nascida em Feira de Santana, cidade colada à capital. A decisão tem raiz familiar, mas também tem cálculo político.

Me lembrei na hora de Aparecida de Goiânia. No ano passado, todo mundo por aqui apostava que a eleição pra prefeito seria decidida entre os mesmos nomes de sempre — os medalhões, os que já tinham voto, estrutura e sobrenome conhecido nos quatro cantos da cidade. Mas Caiado fez diferente. Foi buscar um tal de Leandro Vilela lá do interior do estado. Pouca gente conhecia, quase ninguém levava fé. Mas o governador bancou. Trouxe o rapaz, colocou pra rodar, deu suporte. E não é que ganhou?

Foi ali que o povo viu que o homem não joga parado.

Agora, olhando pro cenário nacional, parece que Caiado está tentando repetir a jogada. Só que o desafio é outro. Aqui em Aparecida, o governador já tem presença, tem serviço prestado. No Centro-Oeste, de maneira geral, o nome dele carrega peso. Mas fora daqui, a história é diferente. Uma pesquisa recente mostrou que mais de 60% dos eleitores do Brasil sequer conhecem Caiado. E pra quem quer sentar na cadeira mais importante do país, isso pesa.

Mesmo assim, ele não hesitou. Disse com todas as letras: “Não tem volta, o destino é o Palácio do Planalto.” O tom é de quem sabe o tamanho do desafio. A agenda agora segue pelo Nordeste, depois Sul e Sudeste. A aposta é se apresentar para o país com o currículo de governador que equilibra as contas, entrega obras e mantém a base rural ao seu lado. É sua tentativa de furar a bolha regional e ganhar capilaridade nacional.

Mas isso também não é novidade total. Muita gente esquece, mas Caiado já foi candidato à presidência — lá em 1989, na primeira eleição direta após a ditadura. Na época, era um político em início de carreira, representando o setor rural, carregando o peso dos ruralistas nas costas. A campanha foi pequena, com discurso forte e pouca estrutura. Não teve impacto real, mas marcou a entrada dele no cenário nacional. De lá pra cá, o tempo passou, a imagem mudou, e agora ele retorna à corrida com muito mais lastro.

É verdade que o evento em Salvador não teve casa cheia. Vários caciques do União Brasil, seu próprio partido, não compareceram. Isso mostra que a disputa não é só com Lula ou Bolsonaro — ela começa dentro de casa. Já dizia um velho amigo meu da igreja: “briga em família é a mais silenciosa e a que mais dói”. Caiado vai precisar convencer seus aliados de que é o nome certo. Porque campanha rachada morre cedo.

Mas, de novo, vale lembrar: ele já navegou em águas turbulentas antes. Quando trouxe Leandro Vilela pra Aparecida, ouviu crítica de aliados, levou invertida de quem achava que era loucura. Mas foi até o fim. Fez, e venceu. O desafio agora é maior, claro. Mas o método parece o mesmo: apostar onde ninguém quer apostar, plantar onde o solo parece seco.

E vou dizer uma coisa aqui: política se ganha é na conversa com o povo. Quem mora no asfalto e quem mora no barranco precisa ouvir a mesma proposta, com a mesma firmeza. Não adianta fazer discurso pra elite e esquecer do trabalhador. Lula cresceu porque aprendeu a falar com todo mundo. Se Caiado quiser ter alguma chance, vai ter que aprender a fazer o mesmo. E isso vai além de ir a Salvador. Vai ter que andar em feira de bairro, conversar com dona de casa, com motoboy, com gente simples que quer saúde, escola, trabalho e segurança — o básico.

O desafio dele é virar gente conhecida fora da bolha. Porque no Centro-Oeste, ele é governador, médico, político tradicional. Mas vá perguntar no sertão da Paraíba, ou no subúrbio de Recife, quem é Ronaldo Caiado. A maioria vai dizer que nunca ouviu falar. E eleição nacional não se vence só com base fiel. Precisa conquistar quem ainda está em dúvida, quem não tem lado fixo, quem vota com o coração mas também com o bolso.

Claro que o cenário ainda está aberto. Bolsonaro, mesmo fragilizado e próximo de ser condenado, ainda tem seguidores. E Lula, apesar do desgaste do fraco desempenho da política nacional atual, é nome forte. Mas Caiado vem tentando ocupar esse meio — o espaço entre o barulho exagerado de um e o populismo calculado do outro. É um lugar difícil de se manter. Exige equilíbrio, firmeza e, acima de tudo, entrega. Porque promessa, o povo já cansou.

Por isso, se ele quiser mesmo ir longe, vai ter que repetir o que fez aqui em Aparecida: surpreender. Mostrar que tem projeto, que sabe ouvir, que entende o Brasil que trabalha, que pega ônibus, que acorda cedo. E, principalmente, vai ter que convencer o próprio partido de que ele é o nome certo.

Aqui da minha cadeira de ferro no quintal, vendo a movimentação política crescer, fico pensando: talvez a maior força de Caiado esteja justamente nesse jeito dele — quieto, estratégico, mas com passo firme. Se souber usar isso direito, pode ser que surpreenda de novo. Assim como surpreendeu Aparecida inteira trazendo um desconhecido pra vencer uma cidade cheia de cacique.

Agora é esperar pra ver se essa jogada em Salvador é só o início ou se já é parte de um plano maior. Porque, como disse no começo, política é xadrez. E quem só olha a peça que mexe, perde o xeque-mate acontecendo bem na frente dos olhos.

Escrito Por

Aos 65 anos, Sebastião carrega nas mãos a memória de uma cidade inteira. Chegou em Aparecida no fim dos anos 70, quando tudo ainda era barro e promessa. Foi serralheiro por décadas até se aposentar — cada portão, cada grade, um pedaço da sua história. Entre a missa e o noticiário, não se cala: cobra, opina, representa quem construiu Aparecida com suor.

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