Aparecida, 103 anos: do barro que sujava o pé ao asfalto que não pode apagar a memória
Por Sebastião Silva
- Publicado em

Quem olha Aparecida de Goiânia hoje, com seus prédios crescendo nos quatro cantos, avenidas cheias e comércio movimentado, talvez nem imagine o que era essa cidade lá nos anos 70. Eu lembro. E lembro porque fui um dos que ajudaram a levantar muita coisa aqui. Cheguei com 20 anos, depois que minha família decidiu sair do interior atrás de um futuro melhor. A cidade estava só começando a virar cidade de verdade. Era chão de terra, poste de madeira e muito mato.
Aparecida ainda era aquele lugar onde se ouvia galo cantar de manhã e onde a gente cumprimentava o vizinho com o café ainda esfumaçando na caneca. Era difícil, mas era humano. Não tinha quase nada, mas tinha o essencial: esperança.
Hoje, Aparecida completa 103 anos. E quando penso nisso, o coração aperta um pouco. É como ver um filho crescer. Vi essa cidade sair do barro e chegar ao asfalto. Vi os bairros se multiplicarem, os ônibus começarem a rodar, os primeiros hospitais sendo construídos, os primeiros supermercados se espalhando. Vi muita gente chegar, e vi muitos irem embora também.
Trabalhei como serralheiro por quase 40 anos. Fiz portão em praticamente todos os setores desse município: Buriti Sereno, Jardim Tropical, Cidade Vera Cruz, Nova Olinda… E em cada um desses lugares deixei um pedaço de mim. Uma grade aqui, um portão ali, um corrimão que ainda sustenta escada de alguém. Construí a cidade com as mãos — como tantos outros.
Na década de 90, Aparecida começou a mudar de vez. Vieram os loteamentos, os condomínios, o tal do desenvolvimento chegou pra valer. Muita gente que antes só dormia aqui começou a viver aqui. Tinha mais escola, mais posto de saúde, e o Buriti Shopping nasceu no meio do nada, transformando tudo em volta. Minha primeira filha nasceu quando ainda não havia nem maternidade decente — tivemos que ir pra Goiânia. Já meus outros dois filhos nasceram aqui mesmo no Hospital do Garavelo.
Mas nem tudo foi pra frente como devia. A cidade cresceu, mas os buracos nas ruas continuaram. Os mesmos problemas de esgoto, de transporte, de atendimento médico. Mudaram os prefeitos, mudaram as promessas, mas tem coisa que até hoje anda devagar. A gente luta, mas ainda espera muito.
Quando Aparecida completou 100 anos, me lembro de pensar que a festa era bonita, mas tinha muita gente que não tinha nem motivo pra comemorar. Ainda tinha bairro sem asfalto, escola sem professor e fila na porta da UPA. Três anos se passaram, e mesmo com algumas melhorias, muita coisa ainda precisa mudar. Porque aniversário de cidade não devia ser só sobre fogos e palanque. Devia ser sobre dignidade.
Mas não sou do tipo que só reclama. Tenho orgulho de ter fincado raiz aqui. Criei meus três filhos nessa terra. Hoje, vejo meus netos correndo pelo quintal da casa que construí com esforço. E quando caminho pelo bairro onde moro, o Jardim Tiradentes, vejo rostos conhecidos, gente que como eu ajudou Aparecida a ser o que é. São pedreiros, cozinheiras, professoras, motoristas. Gente que sustenta essa cidade todos os dias.
Não tem como falar de Aparecida sem falar do povo. Porque prédio bonito pode impressionar, mas é no rosto de quem mora aqui que está a verdade. É no senhor que vende pamonha na esquina, na dona que cuida das crianças no CMEI, no menino que sonha em ser jogador mesmo sem ter chuteira. É esse povo que constrói a cidade todos os dias.
Aparecida, aos 103 anos, ainda tem muito o que resolver. Mas também tem muito do que se orgulhar. A maior conferência de jovens que já vi foi agora em agosto passado, lá na Igreja Esperança. Milhares de adolescentes reunidos, falando de fé, de futuro, de mudança. Isso mostra que, apesar de tudo, a cidade tem alma. E tem futuro.
Se tem uma coisa que aprendi nesses anos todos é que cidade nenhuma se faz sozinha. Ela precisa de quem cuida, de quem sonha, de quem cobra. E precisa, acima de tudo, de memória. Porque não dá pra construir o novo esquecendo o caminho que já foi feito.
Hoje, Aparecida é grande. Mas não pode esquecer de ser justa. Não pode virar cidade de uns poucos e esquecer dos muitos. Não pode apagar do mapa bairros que só aparecem em ano de eleição. Não pode esquecer que desenvolvimento de verdade é aquele que chega na porta de todo mundo.
Dos 103 anos de Aparecida, vivi 45 aqui. Vi essa terra mudar de cor, de cheiro, de som. E ainda quero ver ela mudar mais — pra melhor.
Parabéns, minha cidade. Que os próximos anos sejam de respeito, de verdade e de avanço com os pés no chão. Porque o barro que já sujou nosso pé não pode ser esquecido. Foi ele que nos ensinou a valorizar o asfalto. E é por isso que seguimos em frente, com esperança e memória.

Escrito Por Sebastião Silva
Aos 65 anos, Sebastião carrega nas mãos a memória de uma cidade inteira. Chegou em Aparecida no fim dos anos 70, quando tudo ainda era barro e promessa. Foi serralheiro por décadas até se aposentar — cada portão, cada grade, um pedaço da sua história. Entre a missa e o noticiário, não se cala: cobra, opina, representa quem construiu Aparecida com suor.
Vamos falar sobre essa notícia? Mas lembre-se de ser responsável e respeitoso. Sua opinião é importante!
Ninguém comentou ainda. Clique aqui e seja o primeiro!Agenda da Cidade
Mande sua Sugestão!
O Portal Aparecida é de todo Aparecidense. Venha divulgar qualquer novidade da cidade. Mande sua sugestão de matéria, cadastro de evento, vagas de emprego, inauguração de loja ou campanha de caridade pelo nosso WhatsApp:
(62) 93300-1952